Democracia e liberdades

Luís Carlos Lopes

A liberdade de expressão, valor democrático inquestionável, vem, como sempre, sendo confundida com a liberdade das empresas ou das pessoas com poder e influência de fazer o que bem entendem. Ter direito à liberdade de se exprimir significa, igualmente, saber que pairam sobre as cabeças os direitos inalienáveis das mulheres e dos homens de nosso tempo. O que se fala ou se faz será julgado pela opinião comum e pela opinião especializada, a partir destes direitos ou da aversão aos mesmos. Isto porque não são todos, os que os defendem. Há muita gente, em cargos de poder ou fora deles, que, por exemplo, pratica a escravidão em suas fazendas, sem ter a coragem de defendê-la publicamente. Outros misturam o público ao privado, usando, em outro exemplo recorrente, da corrupção ativa e passiva para resolver problemas com suas amantes. Ainda outros defendem a democracia, enquanto suas contas bancárias e bens engordam com os frutos da corrupção.

No Brasil, chamamos de “cara-de-pau” os que têm a coragem de cometer estas faltas (mesmo que a justiça não as considere, na prática, crimes) e a coragem de dizer que fazem exatamente o oposto. Nos países de fala francesa, estes são chamados de langues de bois, isto é, os que têm línguas de madeira rígida e, por isso, incapazes de usar da verdade em suas falas. É espantosa a tolerância brasileira, do Estado e da sociedade, com os crimes cometidos pela elite. Enquanto as prisões estão superlotadas de pequenos ladrões e outros criminosos sem maior importância, criados pela miséria são bem tolerados os crimes de grande monta cometidos por quem é branco, goza de boas relações e de posição substantiva na ordem socioeconômica. Em alguns casos, eles são processados, por vezes, condenados. Mas, raramente permanecem presos, mesmo quando são pegos e até confessam seus delitos.

Confunde-se a imunidade relativa de um cargo público, com o ‘direito’ de fazer qualquer coisa, o que inclui, por exemplo, vender sentenças ou fechar os olhos ou se beneficiar com a roubalheira que assola o país. Julgar com severidade os pobres e considerar os mais ricos como pessoas equivocadas que cometeram faltas menores, mesmo que envolvam milhões de reais. As pessoas comuns ficam perplexas e têm a sensação de não ter a quem reclamar, porque a justiça não é democrática e nem os poderes da república perguntam a elas o que pensam sobre estes fatos.

A construção da democracia implica colocar em discussão as normas e as ações do Estado. Se tal não é possível, não será factível desenvolver o espírito democrático, por mais que ele exista na aparência e em algumas ações fundamentais, dentre elas o direito de eleger e de ser eleito. Desde a velha Roma, a demagogia era apontada como um vício do sistema político. Não basta, apenas, eleger ou ser eleito, é preciso que as decisões não sejam palacianas e emanem da discussão pública dos problemas nacionais. Se esta discussão não é possível, os princípios democráticos não estão sendo praticados. Nesta mesma direção, o sistema político é uma farsa, sustentada por alguns interesses inconfessáveis.

Já faz vinte anos do fim da ditadura. Entretanto, algumas de suas raízes permanecem vivas e bem alimentadas. É preciso lutar contra o que já se chamou de “entulho autoritário”, uma tenebrosa herança de um passado recente. Sem isto, vai se continuar a lamentar o atraso das instituições brasileiras no que refere à compreensão da necessidade do respeito aos direitos humanos e da defesa dos princípios democráticos mais essenciais. Pelo menos, alguns dos problemas do Brasil seriam mais facilmente solucionados com o estímulo da discussão pública e com a percepção de que uma história de escândalos republicanos tem que cessar. Seria fundamental mobilizar a sociedade, escutá-la e fazer com que o desenvolvimento das discussões tenha efeitos práticos na governança do país nos seus mais diferentes níveis.
Luís Carlos Lopes é professor do Instituto de Artes e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense

30 ANOS DA LEI AMBIENTAL


30 ANOS DA LEI AMBIENTAL, QUE FAZER PARA CUMPRI-LA?**
por Washington Novaes*
Dia 31 de agosto completará 30 anos a Política Nacional do Meio Ambiente, consolidada na Lei 6.938. Que balanço se pode fazer dessas três décadas?

A lei surgiu no momento em que o mundo se preocupava com os primeiros relatórios sobre o buraco na camada de ozônio, sobre a intensificação de mudanças climáticas em consequência de ações humanas, com as altas taxas de perdas de florestas. O temor das consequências do buraco na camada de ozônio, até sobre a saúde humana (câncer de pele, principalmente), levaria a um dos raríssimos acordos globais na área dita ambiental: o Protocolo de Montreal, de 1987, que determinou a cessação do uso de gases CFC, principalmente em sistemas de refrigeração. Clima e biodiversidade (em perda acelerada) constituiriam os objetos centrais da conferência mundial Rio-92, que aprovaria uma convenção para cada área, além da Agenda 21 global e de uma declaração sobre florestas.

A lei era surpreendente e ambiciosa para um tempo de regime militar, em que a palavra de ordem central e excludente de outras preocupações era o crescimento a qualquer preço do produto interno bruto – a ponto de, numa entrevista coletiva no início da década de 70, quando perguntado pelo autor destas linhas sobre o que o governo pretendia fazer diante das notícias do forte aumento do desmatamento no Centro-Oeste e no Noroeste com o asfaltamento da BR-364, o então todo-poderoso ministro Delfim Netto haver respondido: “Nada. Você está querendo inverter a ordem natural das coisas. Primeiro vem o faroeste, só depois é que chega o xerife; você está querendo que o xerife chegue primeiro”. Só agora, 40 anos depois, em depoimento no livro O que os Economistas Pensam da Sustentabilidade, de Ricardo Arnt, o ex-ministro admite que jamais pensou que viesse um dia a preocupar-se com o consumo excessivo de recursos naturais, além da capacidade de reposição do planeta. Mas a lei já dizia que um de seus objetivos era “compatibilizar o desenvolvimento econômico e social com a preservação do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”. Também pretendia a lei racionalizar o uso do solo, do subsolo, da água e do ar, impor ao poluidor e ao predador a obrigação de recuperar e/ou indenizar pelos danos causados, da mesma forma que impunha ao usuário a obrigatoriedade de “contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”. Pretendia ainda levar “as atividades empresariais públicas ou privadas” a serem exercidas em “consonância com as diretrizes da política”.  Talvez o maior êxito dessas três décadas seja a construção de uma consciência social nessa área – embora frequentemente ela não se traduza em avanços práticos. Ainda há poucos dias foi divulgada pesquisa de várias instituições segundo a qual 95% das pessoas ouvidas não concordam com modificações no Código Florestal que permitam plantações e pecuária em áreas de preservação permanente, como encostas, topos de morros e margens de rios. E querem que cientistas sejam ouvidos, além de não concordarem (79%) com anistia a desmatadores.

A questão central não resolvida pela lei está na carência de recursos para implantação de políticas e fiscalização eficiente. Já se tem comentado aqui que o Ministério do Meio Ambiente tem pouco mais de 0,5% do Orçamento federal e que também nos Estados e municípios os recursos são escassos. Não é por acaso, assim, que já tenham sido desmatados uns 20% do bioma amazônico, mais de 93% da Mata Atlântica, mais de 50% do Cerrado e da Caatinga. E que esse desmatamento, aliado a queimadas, seja a causa principal das emissões de gases que contribuem para mudanças climáticas.  Um balanço mostrará também que a área dos recursos hídricos continua muito preocupante, com todas as bacias, da Bahia ao Sul, em “situação crítica”, além de a Agência Nacional de Águas prever que mais de metade dos municípios brasileiros terá problemas graves em prazo curto. Uma das razões está no escasso cumprimento do dispositivo que manda criar comitês de gestão das bacias e pagamento por todos os usos da água – com os recursos aplicados nas próprias bacias. Entre os poucos comitês que funcionam, a maioria fica no Estado de São Paulo. Mas o próprio governo federal contribui para a pouca efetividade da lei quando não acata a decisão de um comitê como o da Bacia do Rio São Francisco, que por 44 votos a 2 se manifestou contra o projeto de transposição de águas. O governo levou o tema para o Conselho Nacional de Recursos Hídricos e ali o aprovou, com a maioria de votos que tem, sozinho. Para a preocupação na área da água contribui também o inadmissível déficit no saneamento, com metade dos brasileiros sem dispor de rede coletora de esgotos e menos de 30% do que é coletado ter algum tratamento – por isso o despejo de esgotos in natura é a principal causa da poluição dos recursos hídricos e da veiculação de doenças transmitidas pela água. Sem falar no desperdício, por vazamentos, de mais de 40% da água que passa pelas redes de distribuição.

Outra obrigatoriedade criada pela lei e não cumprida é a que manda cobrar do poluidor os custos por ele gerados. Quem se lembra disso na área da poluição do ar e nos custos que gera para o sistema de saúde, ou na implantação dos sistemas viários urbanos e de rodovias? Ou na área do lixo? Talvez importantes avanços possam vir a ser feitos quando se levar à prática a exigência de uma resolução (1/86) do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que manda “contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto”. Iniciativas como a transposição de águas do Rio São Francisco ou a Hidrelétrica de Belo Monte resistiriam a uma análise dessa natureza? Ou o plano de usinas nucleares? Cabe à sociedade exigir, neste 30.º aniversário, que a lei seja integralmente cumprida.
* Washington Novaes é jornalistas – wlrnovaes@uol.com.br
** Publicado originalmente no jornal O Estado de São Paulo

A AMAZONIA E A RIO+20

 

A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), a ser realizada de 04 a 06 de junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro, foi convocada para pactuar um novo desafio: a economia verde ou “green economy”. Para a Rio+20 não se tornar um fracasso, a ONU enfrenta um dilema: como impor o decrescimento aos países ricos e poluidores para permitir uma transição para uma economia verde mais justa e sustentável sem sacrificar os países pobres?
A princípio, os países ricos não estão dispostos a reduzir o consumo, mas sinalizam positivamente para práticas sustentáveis. Entretanto, isso não é suficiente. Os países ricos terão que assumir o compromisso em estacionar o crescimento ou mesmo decrescer. Caso contrário, o sacrifício pelo desenvolvimento sustentável cairá nas costas dos países pobres sobre o novo discurso da “economia verde”.
Para o Governo Federal, que não é capaz de firmar políticas integradas de sustentabilidade para o País, a Rio+20 é mais uma agenda que se soma às Olimpíadas e à Copa do Mundo para afirmar ao planeta que o “Brasil é o cara!”
Pela ausência de resultados que comprovem avanços 20 anos depois da ECO 92, o discurso do desenvolvimento sustentável começou a ser apropriado pelo Governo na forma de ações demagógicas, como o pagamento de R$300 ao pobre pela conservação da natureza em detrimento de políticas públicas que garantam o acesso aos direitos básicos para uma vida decente, como a saúde e a educação.
Aos estados da Amazônia não é recomendável se alinhar ao “quase nada” do Governo Federal e sim construir democraticamente uma Agenda para o Desenvolvimento Sustentável da região que possa ser pactuada na Rio+20 sob os auspícios da comunidade internacional. Sob os holofotes da “World News” quem sabe o Governo Federal não se alinha aos estados e passe a considerar a Amazônia como integrante da nação.
Marco Antonio Chagas, doutor em desenvolvimento socioambiental, professor da UNIFAP/Ciências Ambientais

VENHA REINVENTAR O MUNDO NA RIO+20

O Comitê Facilitador da Sociedade Civil Brasileira para a Rio+20 chama as organizações da sociedade civil e movimentos sociais e populares de todo o Brasil e do mundo para participar do processo que culminará na realização, em junho de 2012, do evento autônomo e plural, provisoriamente denominado Cúpula dos Povos da Rio+20 por Justiça Social e Ambiental, paralelo à Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (UNCSD).

Há vinte anos, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio 92) e o ciclo social de conferências das Nações Unidas que a ela se seguiu discutiram os problemas globais que afetam a humanidade e pactuaram uma série de propostas para enfrentá-los (as Convenções sobre Mudanças Climáticas, Biodiversidade, Desertificação, a Agenda 21, Carta da Terra, Declaração sobre Florestas, Declaração de Durban, entre outras). Mas aquilo que deveria ter sido o início da reversão das situações de miséria, injustiça social e degradação ambiental frustrou boa parte das esperanças depositadas nesse processo.

Sete bilhões de seres humanos vivem hoje as sequelas da maior crise capitalista desde a de 1929. Vivem o aumento gigantesco da desigualdade social e da pobreza extrema, com a fome afligindo diretamente um bilhão de pessoas. Presenciam guerras e situações de violência endêmica e o crescimento do racismo e da xenofobia.

O sistema de produção e consumo capitalista, representado pelas grandes corporações, mercados financeiros e os governos que asseguram a sua manutenção, produz e aprofunda o aquecimento global e as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade, a escassez de água potável, o aumento da desertificação dos solos e da acidificação dos mares, em suma, a mercantilização de todas as dimensões da vida.

Enquanto estamos vivenciando uma crise civilizatória inédita, governos, instituições internacionais, corporações e amplos setores das sociedades nacionais, presos ao imediato e cegos ao futuro, agarram-se a um modelo de economia, governança e valores ultrapassado e paralisante. A economia capitalista, guiada pelo mercado financeiro global, continua apoiada na busca sem limites do lucro, na superexploração do trabalho - em especial o trabalho das mulheres e dos setores mais vulneráveis -, na queima dos combustíveis fósseis, na predação dos ecossistemas, no desenvolvimento igualado ao crescimento, na produção pela produção - baseada na descartabilidade e no desperdício e sem consideração pela qualidade da existência vivida.

Diante de tal conjuntura, o momento político propiciado pela Rio+20 constitui uma oportunidade única para "reinventar o mundo", apontando saídas para o perigoso caminho que estamos trilhando. Mas, julgando pela ação dos atores hegemônicos do sistema internacional e pela mediocridade dos acordos internacionais negociados nos últimos anos, suas falsas soluções e a negligência de princípios já acordados na Rio92, entendemos que se não devemos deixar de buscar influenciar sua atuação, tampouco devemos ter ilusões que isso possa relançar um ciclo virtuoso de negociações e compromissos significantes para enfrentar os graves problemas com que se defronta a humanidade e a vida no planeta.

Entendemos que a agenda necessária para uma governança global democrática pressupõe um fim da condição atual de captura corporativa dos espaços multilaterais. Uma mudança somente virá da ação dos mais variados atores sociais: diferentes redes e organizações não-governamentais e movimentos sociais de distintas áreas de atuação, incluindo ambientalistas, trabalhadores/as rurais e urbanos, mulheres, juventude, movimentos populares, povos originários, etnias discriminadas, empreendedores da economia solidária, etc. Necessitamos construir um novo paradigma de organização social, econômica e política que - partindo das experiências de lutas reais destes setores e da constatação de que já existem condições materiais e tecnológicas para que novas formas de produção, consumo e organização política sejam estabelecidas - potencializem sua atuação.

A Rio+20 será um importante ponto na trajetória das lutas globais por justiça social e ambiental. Ela se soma ao processo que estamos construindo desde a Rio-92 e, em especial, a partir de Seattle, FSM, Cochabamba e que inclui as lutas por justiça climática para a COP 17 e frente ao G20. Este momento contribuirá para acumularmos forças na resistência e disputa por novos paradigmas baseados na defesa da vida e dos bens comuns. Assim, convidamos todos e todas para um primeiro seminário preparatório desta Cúpula dos Povos, nos dias 30 de junho, 1 e 2 de julho de 2011, na cidade do Rio de Janeiro para - juntos e juntas - construirmos um processo que culminará em nosso encontro em junho de 2012 e se desdobrará em novas dinâmicas.

Dr. Rubens Harry Born
Coordenador Adjunto
Vitae Civilis Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz
Tel / fax: +55 (11) 3662-0158
skype: rubensborn
Mais informações: WWW.rio2012.org.br <http://WWW.rio2012.org.br>

NIAPAM: UM PROCESSO EM CONSTRUÇÃO

O NIAPAM iniciou a partir do interesse de alguns de seus integrantes concernente à concepção de projetos nas áreas das políticas públicas, através de suas atividades profissionais, prioritariamente, direcionadas a comunidades carentes, respondendo tal lacuna, ancorada numa relação ética e de compreensão social, a partir da região amazônica. Para tanto, adotou-se a constituição de um coletivo, a principio, de cunho técnico-profissional, mas que passou a suscitar a ampliação do seu raio orbital de ação, com incidência em seu formato jurídico.
O termo interdisciplinar sugere que o processo deve ser compartilhado, distinto de uma visão assimétrica e vertical, mas democrático e coletivo. Além disso, o mesmo tende a refletir uma diversidade (identificada pela sua composição) de conhecimentos e áreas de interesses – educacionais, culturais, ambientais, hídricos, etc. – muito embora acentue a prevalência de alguns em relação a outros. Outro aspecto é seu interesse na mudança social, baseado em sua compreensão da realidade espaço-temporal amazônida, em sua manifestação multifacetária e dialética, cujo cenário contextual comporta desigualdades de várias ordens – sociais, políticas, econômicas, culturais e outras, o que remete a uma atitude comprometida.
Na linha da necessidade deste processo de construção, foram estabelecidas relações no sentido da constituição do grupo buscando refletir uma dimensão multipla em termos da sua formação técnico-profissional. Este movimento processual resultou na constituição do Núcleo Interdisciplinar de Assessoria e Pesquisas da Amazônia –NIAPAM, com um deslocamento conceptual enfatizando, além desse aspecto – técnico-profissional -, que se assenta nos termos assessoria e pesquisas, também, a sua linha de compromisso militante com a mudança qualitativa em face da realidade amazônida, seja do seu povo, bem como do seu meio-ambiente.

Edward Martins de Aquino
Diretor Geral do Niapom